Propaganda do Café 15 de Novembro, onde Mário Sette se reunia com os amigos todas as noites, entre 1902 a 1904.

 

 

 

 

Mário por opção preferiu o auto-didatismo, mas pela sua grande cultura, era sempre chamado de “Doutor Mário”. E como ele mesmo costumava dizer: “é melhor ser chamado de doutor sem ser, do que ser e não parecer”.

 

 

 

Carteira de sócio-fundador do Sport Club do Recife, onde Mário atuou como primeiro secretário.

 

 

 

 

SENHORA DE ENGENHO foi publicado em fevereiro de 1921 e em 15 dias foram vendidos 1.000 exemplares, só em Recife. Um best-seller.

 

 

 

 

Uma obra que compreende contos, romances, pesquisas, crônicas e livros didáticos, a produção literária de Mário Sette emerge na sedução do saudosismo e também na fonte histórica propriamente dita. Nos arquivos da memória o autor iluminou as ruas de antigamente para que conhecêssemos tipos e costumes desusados.

 

 

 

 

"Em meio ao entulho de outros prédios demolidos, a Igreja do Corpo Santo espera sua vez de ir ao chão para dar espaço às obras de modernização do porto do Recife"

 

 

 

 

"Os velhos monumentos foram embora e pouco se lembram deles. Mudam-se as expressões típicas da cidade, e ninguém quase protesta."

O registro mais sensível da crônica recifense

Por Frederico Pernambucano de Mello

“O rio vinha contornando o istmo, juntava-se ao que descia suas águas pelos mangues do sul, e, reunidos, investiam o oceano na boca chamada pelos selvagens de ‘paranambuco’... De assalto, quase sempre, as vagas golpeavam a murada dos arrecifes, cresciam num tapume de espumas, tombavam de supetão molhando as pedras plantadas por Deus para darem abrigo e nome a uma cidade cujo destino andava ainda distante de se prometer”.

Assim Mário Sette abre seu livro ARRUAR, numa descrição do nascimento de Recife, outrora “Ribeira-Marinha dos Arrecifes”, no século XVII. Elevada a Vila em 1709 e posteriormente Capital da Província de Pernambuco, em 1827.
Criador de uma obra de raízes genuinamente recifenses, Mário Sette é considerado o maior cronista da nossa cidade. Ele mesmo figura como um dos personagens relevantes da cultura pernambucana, pois era um exímio “saudosista e escrevinhador” que rememorava o tempo das maxambombas, trenzinhos que circulavam na época dos Arcos de santo Antônio e da Conceição- período em que as famílias iam tomar sorvete no Café Familiar ou passear “ao fresco” nas calçadas da rua de imperatriz.

A vida

Mário Sette nasceu em 1886, num casarão (hoje demolido) da rua Princesa Isabel, bairro da Boa Vista. Filho único de Antonio Rodrigues Sette Jr. E Ana Emília Luna Sette, o pequeno Mário nasceu em circunstâncias interessantes. No mesmo dia do seu nascimento, a parteira D. Antonia Whigt fez o parto de mais duas crianças: uma delas foi o poeta Manuel Bandeira, e a outra foi Maria Laura Maia, que iria tornar-se esposa do escritor alguns anos depois. Um casamento que durou quatro décadas. O futuro romance foi previsto numa fase profética dita pelo Dr. Antonio Bruno da Silva Maia, pai de Laura, e que era amigo do pai de Mário: ”Minha esposa teve uma menina para se casar com o seu menino”. E de fato, o menino e a menina cresceram, tornaram-se adultos, e se casaram num dia de São Pedro, em 1907.
Aos 11 anos Mário fica órfão de pai e vai morar em santos (SP), com a mãe. Em seguida muda-se para o Rio de Janeiro. Já nessa época o autor de ARRUAR escreve seus primeiros versos. A sua mãe casa-se novamente. Por problemas de relacionamento com o padrasto, Mário volta para o Recife, casa de parentes. Ele tinha 15 anos e o seu primeiro trabalho foi na alf6andega, junto com o tio.
Apesar de concluídos os estudos preparatórios para a faculdade, o futuro escritor não torna-se acadêmico. No início do século, ainda estava na moda a tríplice opção para um rapaz “de família”: Direito, Medicina ou Engenharia. Mário por opção preferiu o auto-didatismo, mas pela sua grande cultura, era sempre chamado de “Doutor Mário”. E como ele mesmo costumava dizer: “é melhor ser chamado de doutor sem ser, do que ser e não parecer”. Na sua juventude ele convive com literatos, intelectuais e jovens da “boemia familiar”. No Café 15 de Novembro, na rua do Imperador, eles se reúnem numa balbúrdia da juventude cheia de idéias.
Há um fato interessante, que remonte justamente esse convívio. Em 1905, Aquiles da Fonseca, então, recém-chegado da Inglaterra, convida Mário para uma reunião de fundação de um “clube de football”. Aquiles trouxera da Europa as regras deste jogo e estava entusiasmado com a idéia de fundar um clube semelhante aos europeus. Mesmo não muito chegado aos esportes, Mário foi à reunião, ah vamos ver o que vai dar. E assim, em 13 de maio de 1905 foi fundado o Sport Club do Recife, tendo Mário Sette como Primeiro Secretário e Sócio Fundador: “Nunca tinha dado um chute, nunca tinha abraçado a natação, nunca tinha dado uma remada, e, no entanto, acabei Secretário de um time de futebol”.

Casamento e primeiro livro

Em 1907 o escritor casa-se com D. Maria Laura, ambos tinham 21 anos. Antes de ingressar nos Correios, através de concurso público, Mário tinha sido funcionário da empresa ferroviária Greet Western e das Casas Paulistas (hoje Casas Pernambucanas). Torna-se funcionário dos Correios em 1909, com um salário de 220 mil réis, com um horário de trabalho de dez da manhã às quatro da tarde. Uma ótima chance de estabilização para quem já sente uma vocação para a literatura. Além dos Correios, o escritor dividia seu tempo como colaborador de jornais locais (entre eles o “Jornal Pequeno”, “A Província”e o “Jornal do Recife”), além da revista “Fon-Fon”(Rio de Janeiro).
1914 É UM ANO IMPORTANTE PARA Mário Sette. Seus dois filhos Hoel e Hilton já tinham nascido quando ele começa a ler intensamente a literatura francesa, livros importados de Paris que lhe revelam os mundos de Flaubert, Zola, Balzac ... Neste ano ele publica seu primeiro livro: AO CLARÃO DOS OBUSES, um livro de contos patrocinado pela Liga Pernambucana Pró-Aliados e que os críticos da época foram rápidos em notabilizar a influência dos clássicos franceses na obra de Mário. Influência corrigida em obras seguintes, como ROSAS E ESPINHOS e, principalmente, SENHORA DE ENGENHO.
SENHORA DE ENGENHO foi publicado em fevereiro de 1921 e em 15 dias foram vendidos 1.000 exemplares, só em Recife. Um best-seller. Monteiro Lobato, então amigo e incentivador de Mário Sette, entusiasma-se e publica 5.000 exemplares no Brasil inteiro, uma cifra ainda contemporânea das edições lançadas atualmente por outros autores. Em Portugal, a Livraria e editora Lello publica SENHORA DE ENGENHO em terras lusas. Mário já um escritor conhecido pelo público quando, em 1924, ganha o prêmio da Academia Brasileira de Letras com o seu romance O VIGIA DA CASA GRANDE.
Década de 20 é o início da sua atividade como professor; gerações de recifenses ainda se lembram do “Professor Mário Sette”. Lecionando Moral e Cívica, Francês, Português e História do Brasil, o professor também escreve livros didáticos. TERRA PERNAMBUCANA, por exemplo, ainda hoje é utilizado nas escolas públicas do estado. Alunos remanescentes dos colégios Carneiro Leão, padre Félix, Vera Cruz etc. devem lembrar-se de figura um tanto austera do Dr. Mário a lecionar gramática e história.

O cronista

Ligado intensamente aos costumes e ao lado pitoresco da sua cidade, ele começa a publicar nos jornais, várias crônicas sobre o recife de antigamente. Dessa sua produção nascem MAXAMBOMBAS E MARACATUS 91937) e ARRUAR (1948), talvez suas obras máximas. Nestes dois livros são perfilados histórias, tipos e datas memoráveis da outrora “Ribeira-marinha dos Arrecifes”. Um estilo literário em que Mário Sette reúne reminiscências, prosa poética e o pitoresco que abrange os modismos, a moral, a política.
Os últimos anos de sua vida, Mário dedica-se à família: filhos e netos, uma grande prole, como no tempo de seus pais. “Dindinho” é o apelido carinhoso que os netos lhe impuseram. Ainda na década de 40 o escritor começa a escrever para o “Diário da Noite”, assinando a coluna “A Crônica da Cidade”, que marcou época. Também participou do programa “A Hora da Saudade”, realizado no Auditório do Jornal do Commercio, período áureo do rádio, com suas grandes estrelas e produções.
Em junho de 1949, Mário Sette sofre paralisia que o impede de escrever. O escritor fica um ano enfermo, acometido de um tumor cerebral. Em 25 de março de 1950, ele falece. Tinha 64 anos.

A obra

Uma obra que compreende contos, romances, pesquisas, crônicas e livros didáticos, a produção literária de Mário Sette emerge na sedução do saudosismo e também na fonte histórica propriamente dita. Nos arquivos da memória o autor iluminou as ruas de antigamente para que conhecêssemos tipos e costumes desusados. A recuperação da import6ancia, do valor histórico da cidade e seu crescimento. Talvez uma contestação de uma modernidade de demolições e perda de raízes. Como escreveu Mário: ”Atravessamos as ruas apenas com o cuidado nos automóveis e olhamos as placas das esquinas sem outro propósito do que lhes ler os nomes. Somos, no cenário de nosso nascimento e de nossa vida costumeira, quase uns estranhos, à sua história, à suas tradições, à sua poesia. O passado é um baú velho etochado de papéis amarelos que se destroem num momento azado. Os velhos monumentos foram embora e pouco se lembram deles. Mudam-se as expressões típicas da cidade, e ninguém quase protesta. Desdenhamos não somente o passado de nossa terra, mas o nosso próprio passado...”
Mário Sette é um autor de mais de duas dezenas de títulos: AO CLARÃO DOS OBUSES (contos), ROSAS E ESPINHOS (contos), SENHORA DE ENGENHO (romance), A FILHA DE DONA SINHÁ (romance), O VIGIA DA CASA GRANDE (romance), O PALANQUIM DOURADO (romance), SOMBRA DE BARAUNAS (contos), A MULHER DO MEU AMIGO (novela), JOÃO INÁCIO (novelas), SEU CANDINHO DA FARMÁCIA (romance), TERRA PERNAMBUCANA (didático), BRASIL, MINHA TERRA! (didático), VELHOS AZULEJOS (parábolas escolares), MORAL E CIVISMO (didático), OS AZEVEDOS DO POÇO (romance), A MOÇA DO SÍTIO DE YOIÔ COELHO (contos), MAXAMBOMBAS E MARACATUS (crônicas), ARRUAR (crônicas), além de ANQUINHAS E BERNARDAS, BARCOS A VAPOR, ONDE OS AVÓS PASSARAM e MEMÓRIAS ÍNTIMAS.

Ler Mário Sette é viajar no tempo

Sendo historiador, é muito difícil para mim apreciar a obra de Mário Sette colocando num mesmo plano sua produção de ficcionista e a que teve por base apenas a memória e as pesquisas sempre atentas a detalhes expressivos. Quando aos escritos que integram o segundo grupo, o que mais de perto tem-me interessado, posso dizer que considero difícil, senão mesmo impossível, que se conheça o cotidiano recifense do século XIX para o XX, a vida da casa e da rua de nossa cidade, seus costumes, suas tradições – à frente as religiosas – seus mitos, contos, cantos, lendas e até o mundanismo e a moda, estes dois últimos campos tantas vezes desdenhados, sem passear com os olhos pelas páginas amenas, quase diria sedativas, de um MAXAMBOMBAS E MARACATUS, de um BARCOS DE VAPOR, de um ARRUAR ou de um ONDE OS AVÓS PASSARAM. Mário Sette não reconstitui aí, com seus escritos, apenas fatos, consegue fazê-lo também quanto à atmosfera em que esses fatos estiveram envolvidos, não havendo exagero em dizer que seus leitores viajam no tempo. Mergulham num Recife onde ainda se ouviam os sinos das igrejas ou os carrilhões dos jornais, onde a ausência de calçamento generalizado, aliada à vegetação mais embastida, permitia que se promovessem sessões solenes, às duas da tarde, tendo no fraque o trajo obrigatório.
Quanto à sua obra de ficcionista, seus contos e romances, penso que são apenas uma forma mais leve e mais literariamente dinâmica de dar continuidade ao mesmo ânimo que encontramos nos seus escritos de cronista. De cronista que faz, em tantas passagens, história social da mais saborosa. Neste campo da ficção, de uma ficção a serviço da permanência da memória de tempos e lugares caros, é impossível deixar de assinalar o clássico SENHORA DE ENGENHO, do início dos anos 20, e não menos rico OS AZEVEDOS DO POÇO.
Por fim, desejo chamar a atenção sobre dois pontos. A preocupação pedagógica que penetra todos os seus escritos e a permanência destes, a despeito do “malaise” editorial da província, na pura confirmação e que a busca do passado ainda é o melhor caminho para se chegar ao futuro.

Fonte: MELLO, Frederico Pernambucano de. O registro mais sensível da crônica recifense. Recife: Jornal do Commercio, 19.04.1986.