Caruaru: Palácio da Prefeitura, Praça Juvêncio Mariz e Rua 15 de Novembro (1945)

A FILHA DE DONA SINHÁ (1923)

 

Os costumes do século XIX, certa pacificidade cientificista e agnóstica, começavam a evanescer-se, em todo o mundo, devido às tremendas consequências da convulsão da primeira grande guerra. Mas, no meio social rural do Brasil, aquelas velhas categorias pareciam imutáveis...

A jovem viúva burguesa, bem prendada e ainda bonita, aquinhoada pela fortuna, escudava-se na situação materna, podia e devia conservar-se pura e recatada. A serenidade de sua fronte retratava a tranquilidade de sua vida. Sentimentos, só os maternais e filiais, que a convenção social lhe autorizava. A rotina envolvente, da cidade que progredia em torno dela, favorecia enredos que sua imaginação, presa às tristes lembranças do passado, repelia. E assim palpita e sofre a Filha de D. Sinhá no estilo vivo e próprio do historiador que se faz romancista, para com viveza e graça fazer reviver nesse romance tão brasileiro este passado tão próximo e, por tantos motivos de nós, hoje tão remoto. Entre as emoções do amor e da arte retrata nessa figura feminina simpática e original a sociedade familiar brasileira do Norte, de que todos nós lembramos com saudades. No Brasil de hoje, resolvido por tão contraditórias e estranhas correntes de pensamento.

A reedição deste livro já publicado em Portugal oferecerá a oportunidade de uma leitura que nos fará sofrer e meditar. Sofrer com o drama encarnado na trajetória vivida pela filha de D. Sinhá, recalcando emoções com equilíbrio e recato; meditar no desajustamento social criado pelo labor não compensado do homem do interior, que canaliza recursos para o desperdício da Metrópole, desde àquela época, com sua elite dominante, a desacreditar-se ante os olhos estarrecidos da massa laboriosa do país. Situação, hoje, agravada com a ociosidade negocista sempre premiada com as fortunas, vertiginosamente, acumuladas à sombra do peculato.
Mário Sette que nos deu em ARRUAR – HISTÓRIA PITORESCA DO RECIFE ANTIGO, o retrato pictórico das capitais mais tradicionais brasileiras, nos oferece, neste livro com a sociedade de Caruaru, o retrato psicológico das nossas cidades do interior, onde vive, constrói, produz e sofre a maior parte da nossa população – o que de melhor tem ainda o Brasil.
Leitura deleitosa, amena, que distrai e edifica, é esse livro do mestre saudoso e ainda não esquecido, que a Editora da C.E.B. oferece aos leitores insatisfeitos, cansados da literatura dirigida pela chusma de prêmios oferecidos nem sempre com fins confessáveis.

Fonte: Notas do editor in: SETTE, Mário. A Filha de Dona Sinhá. 3a Edição. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante do Brasil, 1952.